A Hora da Estrela
Stars are out tonight
Quando escrevo sobre o arcano da semana, brinco com a sorte: busco em meu quarto elementos que traduzam a carta sorteada, e tem dado certo.
A carta dessa semana curiosamente é o que se espera após o turbilhão causado pela Torre: A Estrela. Dancei pelo quarto buscando algo que a representasse. E encontrei! Em meu livro de pôsteres soviéticos.
Produzido em 1919, esse pôster é um documento histórico extraordinário; ele mostra que dois anos após a revolução, não somente o governo soviético e seu povo acreditavam que o mundo estava pronto para a revolta, mas que todo o universo poderia eventualmente ser comunista. Acreditando que seus camaradas ao redor do mundo estavam ansiosos para ter uma revolução em seus próprios países, eles consideraram a vitória por todo o planeta como uma realização iminente; o próximo passo seria conquistar o universo inteiro. Tais ideias foram baseadas nos estudos de Konstantin Tsiolkovsky, um cientista de foguetes soviético e um dos primeiros a defender a exploração humana do universo e viagens para Marte. Sayanskii representou essas ideias magistralmente, retratando um trabalhador russo e um camponês dominando a terra, observando o restante dos planetas de nosso sistema solar tornando-se comunistas, com Rússia liderando o movimento.
Ainda que bastante “inocente” o pensamento, digamos assim, anos depois os russos de fato conseguiram sair da terra. A primeira mulher no espaço foi Valentina Tereshkova, em 1963; e o primeiro ser humano a conseguir tal feito, Iuri Alexeievitch Gagarin, em 1961. Sem falar na cadela Laika, em 1957. Por mais que eu discorde — veementemente — de viagens espaciais no sentido de colonização humana, essa tem sido a premissa e a tendência.
Achei curioso o pôster escolhido. É algo que definitivamente não aconteceu como se previa, mas era o desejo e a esperança soviética de cem anos atrás. A partir desse pensamento e crença num futuro emancipado, atitudes foram tomadas, planos foram feitos. Planejamos não para acontecer exatamente aquilo que foi posto no papel, isto é apenas uma busca por segurança, uma forma de tatear os próximos passos. Porque o caminho, na verdade, se faz caminhando.
Falando em caminho que se faz caminhando, temos o Mito de Sísifo. Temo e desejo esse mito, como temo e desejo o Tempo. Temer e desejar, como a nona posição da cruz celta. Sísifo, amaldiçoado pelos deuses, rola diariamente uma pedra morro acima, que cai todo o percurso ao anoitecer. Mas Sísifo faz, e faz de pirraça. Para não dar o gostinho a Zeus de seu sofrimento, ele faz com primor… talvez arrancando um sorriso dos dentes. Em desespero por esperar, em desespero para ter esperança. Porque talvez a esperança seja filha do desespero. A (XVII) Estrela, filha da (XVI) Torre. A esperança vem do absurdo:
É preciso imaginar Sísifo feliz.
— Albert Camus
Ter esperança é acreditar, é ter fé. É ser oposto a São Tomé: é crer para ver. Porque tantas coisas existem e são invisíveis a olho nu. Tantas coisas existirão em breve e não enxergamos, não compreendemos agora. E isso me lembra uma das coisas mais lindas que já li e que já ouvi Maria Bethânia cantar:
E — e não esquecer que a estrutura do átomo não é vista mas sabe-se dela. Sei de muita coisa que não vi. E vós também. Não se pode dar uma prova da existência do que é mais verdadeiro, o jeito é acreditar. Acreditar chorando.
Esta história acontece em estado de emergência e de calamidade pública. Trata-se de livro inacabado porque lhe falta a resposta. Resposta esta que espero que alguém no mundo ma dê. Vós? É uma história em tecnicolor para ter algum luxo, por Deus, que eu também preciso. Amém para nós todos.
— A Hora da Estrela, Clarice Lispector
Para essa semana de 3 a 9 de outubro, é preciso acreditar. É preciso nutrir as águas da possibilidade. Tudo é possível testar, tudo é possível imaginar. Sem voar alto demais, porque de uma queda morreu Ícaro, mas com prudência e uma dose de fantasia… Sim, por que não? Tudo o que se inventa antes já foi sonho. É preciso imaginar, é preciso acreditar. E acreditar, chorando.
Hel
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