Caminhando para o inconsciente

Primeiras jornadas espirituais

Helen Araújo
4 min readApr 26, 2020

Sempre me conectei com as sombras, anti-heróis, bruxas e mundos mágicos, espelhados. A minha brincadeira mais solitária, oculta e preciosa de infância era pegar um espelho, pôr na minha frente no chão de cimento queimado na favela, e observar cada canto, ao contrário. As paredes de tijolos “baianão”. A pia da cozinha, agora do lado esquerdo. A porta da casa de um cômodo, agora do lado esquerdo. O sol batendo nos muros. O chão, em perspectiva construtivista, entortando pelo meu conduzir do espelho, também laranja.

Rainha Má. Branca de neve e os sete anões, 1937.

Li em algum lugar, e uma amiga comentou comigo, que quão mais próximos estamos do nosso nascimento, ou seja: quanto mais cedo na infância, mais chances temos de nos lembrar de nossas almas passadas. Mais fácil conectarmo-nos com os espíritos e as tantas vozes universais. A mente infantil é livre, aberta, sem preconceitos, curiosa, infinita como o próprio Universo.

Alice no país das maravilhas, 1933.

Sempre tive essa infância no meu espírito. E tenho revisitado essa menina de anos atrás, principalmente agora, que meu retorno de Saturno se iniciou. Tudo que eu negava tem vindo à tona como potências minhas. A leitura das imagens é uma dessas potências. Estou nos limites do tempo e do espaço por profissão acadêmica, por observação do mundo e das diversas gerações que convivem entre si, e por natureza. Minha natureza é ser pária.

Sempre, também, quis reinventar o politeísmo dos povos egípcios. Era minha ambição infantil e pré-adolescente. Agora me vejo nesse processo, a partir de um rito à deusa grega Perséfone, esposa de Hades, em 2018.

Perséfone e Hades. ca. IV a.C. Theoi

Curiosamente ou não, Plutão está retrogradando em capricórnio. Não entendo muito de astrologia (ainda), e tenho estudado tanto tradicionais, como modernos. Porque o estudo em si é o que me convém. Mas foi a partir desse texto de Verbenna Yin que tomei a iniciativa dessa publicação, que já era programada há tempos.

Plutão está retrogradando.

Ele é um planetinha maroto, parece fofo (tem um coraçãozinho na superfície) segue uma eclíptica diferente, é pequeno e tinha gente que dizia que Plutão nem era planeta. Mas gente, Plutão é O PODER.

Plutão faz o que quer porque ele pode.

Plutão rege as grandes ambições, o psiquismo, os vulcões, a cinestesia, as comunicações violentas do inconsciente, raptos, sequestros, a violência primordial e a morte. Na mitologia é Hades, que raptou Perséfone e reina no mundo dos mortos.

Não foi à toa que meu primeiro ritual tenha sido à Perséfone. Como pária, eu amo o submundo. Como recém-chegada às animações da Disney, Hades é meu personagem favorito. Comentei com quem me convidou “só vou se for com ela. Se for para conhecer, que seja com a esposa de Hades”. Batata.

Hades em Hercules, 1997.

Depois dela, outra deusa “das sombras” martelou em minha cabeça, sem eu nem entender quem era: Kali.

Hema Malini Tandav as Kaali Maa in (Om Jai Dakshineshwari Kaali)

Kali é a Senhora hindu associada à morte. Crânios, cemitérios e sangue estão associados ao seu culto. […] Kali surge em uma batalha na qual um demônio se multiplicava a cada gota de seu sangue caída no chão. Em fúria, Kali lambe as feridas do demônio, impedindo assim que seu sangue toque o chão e, dessa forma, tomando para si suas qualidades pelo sangue. Notavelmente, sua imagem nos impacta e traz medo e pavor sua presença aterradora; entretanto, sua natureza implacável é a mesma Natureza que nos cerca todo o tempo. pluscartes

Kali me veio a partir desse disco que estava ouvindo de Nina Hagen, cantora punk alemã (!). Recomendo o disco inteiro, sobretudo Jai Mata Kali, que descobri agora com muita felicidade que já tem no spotify!

Esse é um texto introdutório para muitas conversas que pretendo ter por aqui e no instagram. Quando o disco acabou, cliquei sem querer em outro, de Loreena McKennitt. Nele tem a música que embalou minha primeira vez dando vazão à minha sombra, no submundo de Perséfone. É com palavras dela que lhes dou meu até logo:

When the owls call the breathless moon
In the blue veil of the night
The shadows of the trees appear
Amidst the lantern lights

We’ve been rambling all the night
And sometime of this day
Now returning back again
We bring a garland gay

Who will go down to those shady groves
And summon the shadows there?
And tie a ribbon on those sheltering arms
In the springtime of the year?

— Atropos.

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Helen Araújo
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Written by Helen Araújo

Escrevo, desenho, estudo gravuras, oráculos e costuro cadernos no estudiosaojeronimo.com

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